segunda-feira, 4 de junho de 2012

Era uma vez um guri



Que se chamava Bento. Na verdade Bento era apelido. Nome era José Rubento , mas ele achava  que Rubento parecia nome de doença . Optou por Bento. Não escapou das brincadeiras na escola. Bento ramelento. Bento rebento. Ele não ligava. Achava a coisa meia boba, sem criatividade. 

Só chorava mesmo por causa do Colorado.
 Época dura. Difícil. Vacas magras. Na escola, um mar  de camisetas tricolores enchiam o recreio. "Lá vem o macaco perdedor," gritava o Manuel, filho do dono da padaria. 
Ele engolia em seco. O rosto tingia-se de vermelho, cor de sua alma.  Ele saía de perto, para não esmurrar o azulzinho. 


Teimoso que era, sentava no sofá da sala jogo após jogo. Os irmãos vestindo azul; Ele, Vermelho. Apertava a bandeira que o pai lhe dera de aniversário. Os nós dos dedos brancos de angustia. Ao Final, lágrimas quentes e silenciosas choravam mais uma derrota. 


E passou o tempo. Bento cresceu. Virou um adolescente desmilinguido, magrelo.  Continuava firme na luta, ao lado do pai. Dois Colorados numa família de dez gremistas. Não era fácil a vida deste torcedor.
No dia primeiro de janeiro de 2005 ele fez uma promessa: Se o Colorado fosse campeão, ia dar a volta em torno do gigante de joelhos. Acendeu vela pra Iemanjá, mandou barquinho de pedido no Guaíba.  2005 nasceu diferente.
 Veio com cheiro de mudança. 


Mas Bento, o rebento, chorou em dezembro. Chorou lágrimas vermelhas , com gosto de sangue. Viu seus irmãos traidores rirem de sua desgraça. Dispensou o cinema com a Joana. Dispensou a lista de presentes de Natal. Queria o título. Queria uma vez ver seu Colorado no pico da glória. Sonhou pesadelos estranhos, rezou palavrões escabrosos. Acordou com gosto de ressaca, gosto de cachaça que não bebia.


E veio 2006. Pensou que fora econômico no ano anterior. Caprichou nas Velas, caprichou na promessa. Aumentou para três voltas de joelho. Era preciso sofrer a dor para alcançar o paraíso, não dizia sua avó? Pois bem. Prometido. Todos os  Santos comprometidos com ele, Iemanjá dignamente homenageada. 
E ia seu Inter. Ganhou a primeira, a segunda, passou de fase, passou de novo. Coração de Bento parecia uma bomba pronta para explodir. Veio a Final. Veio o Morumbi lotado, 
E Bento. Bento sentado no sofá no meio dos três irmãos tricolores. Bento espremido entre o beijo do vô azul e da vó risonha. O pai, sentado longe, mãos postas em prece. Querendo mas não querendo ver.
E o Gol. Gol . Gol. E Sóbis correndo e Bento chorando. O Pai de joelhos. E outro gol. E dois dos irmãos  sumiram. Um só ficou, para comemorar o gol são paulino.


Bento foi para o quarto. Tirou do guarda roupa a camisa reservada para a final. Já tinha garantido vaga no estádio. Ia ver se perto. Ia cobrar dos Santos, e se preparar para cumprir a promessa.
 No Gigante Vermelho, ele mal consegue se lembrar dos gols. Nem da festa. Só lembra de ficar olhando embasbacado para o céu. Céu vermelho pelos fogos. Céu glorioso. Colorado de ponta a ponta. O pai esmagando-o entre os braços, amigos gritando , pulando. E ele calado. Grito preso na garganta. Choro subindo e o engolfando. Convulsão de lágrimas.
Cai o Bento de joelhos. Aperta contra o peito a Bandeira amassada, puída, companheira de tantos anos. E agradece silenciosamente. Sorri em meio ao choro. Depois ri alto . Olha para o pai e finalmente grita. Grita insanamente, desesperadamente.


No dia seguinte, bêbado de felicidade, sai rumo ao estádio. Bandeira nos ombros, boné enfiado até as orelhas. Camisa vermelhas brotando por todo lado. Anos antes mal se via gente pequena de vermelho. Mas agora há um jardim de infância todo rubro, vibrante, realizado. 


De joelhos, se posta no asfalto quente. começa sua trilha espinhosa. Os joelhos resistem bem na primeira volta. Na segunda, o sangue tinge o chão. Mas Bento nada sente. Na terceira volta, ao finalzinho dela, sente a primeira pontada de dor. Sorri mais para si mesmo ao olhar o estrago. Carne viva. Pulsante.
Sangue. Sangue Vermelho.
E lá se vai Bento para casa. Manca um pouco, mas para a cada metro e olha embevecido para o palco da maior alegria de sua vida.


O Palco da sua Glória.


A Glória de Ser Colorado.


Homenagem a um grande e querido amigo, que vai ler e lembrar-se de nossa conversa.
Saudações Coloradas.
Heide

5 comentários:

Rosalia Colorada disse...

Heide
Que história, não tem como não se emocionar.
Tempo de vacas magras, mas o amor Colorado resiste, corre nas veias, e nos enche de orgulho, não só pelas comemorações, que hoje são rotina entre os Colorados, mas pelo período que os Colorados de minha geração e de outras acima tiveram que se entristecer com chacotas, com as ridicularizações sofridas por sermos parte de uma torcida que vivia de derrotas mas que sabia que seria passageiro...
Chorei junto com o "Bento"... parabéns pelo texto...

CORAÇÃO VERMELHO disse...

O querida...valeu pelo comentario. Escrevi esta para um querido amigo, que viu o filho amargar pequeno, na década de noventa...o unido de tres filhos que é Colorado. Um beijo, Rosália

Anônimo disse...

Maravilhoso,emocionante,digno de constar na história de nosso amado clube,uma vez que,pelo visto trata-se de fato verídico e não uma visão romanceada escrita por um torcedor apaixonado.
Parabéns,amiga...

CORAÇÃO VERMELHO disse...

Pena que tú és anonimo,pois gostaria de te nominar no meu agradecimento. Um grande abraço e obrigada por prestigiar com sua leitura. Sim. è uma conversa com um amigo, contando sobre seu filho, o unico dos tres que é Colorado. Só coloquei em forma de texto.
Saudações Vermelhas.

Jana Lauxen disse...

Lindo, lindo, lindo! Não há como não se identificar com o Bento! Bento remelento? NÃO! Bento, campeão de tudo! Emocionante e bonito. Quando vais mandar teu texto para nossa coletânea COLORADOS - NADA VAI NOS SEPARAR? Você não pode faltar lá:
http://www.janalauxen.blogspot.com.br/2012/05/atencao-post-exclusivo-para-torcedores.html